Certa vez, um amigo meu contou uma história
muito triste a respeito do ódio que os funcionários podem nutrir por seus
chefes. Disse ele (que jura que é uma história verídica) que, na década de 90,
um chefe muito odiado por seus colaboradores (daquele do tipo carrasco) foi
atropelado por um caminhão em frente à empresa onde foi gestor por mais de
trinta anos.
O senhor acabou sendo esmagado pelo
veículo e não sobrou nada. Diante daquela cena horrenda, esse meu amigo teria
deixado sua sala correndo e gritando: “por favor, uma ambulância”, mesmo
sabendo que qualquer médico nada poderia fazer.
E, quando uma multidão de funcionários
já cercava aquele corpo dilacerado no chão, um dos colaboradores puxou uma
salva de pautas, gritando: “finalmente, seu filho da p..., vai pro inferno.”
Para surpresa de meu amigo, quase todos aplaudiram o sarcasmo do funcionário. Claro
que ele sabia da má fama do chefe, mas ficou muito chocado com aquela situação.
Como podem as pessoas ser tão pouco solidárias num momento terrível? Quão ruim
pode ser, de fato, o chefe para despertar tamanho ódio?
Trouxe essa história para ilustrar uma
situação ainda existente nas empresas: o chefe autoritário! Ainda bem que o meio corporativo tem adotado,
cada vez mais, técnicas, táticas e psicologia para mediar às situações entre
chefes e funcionários.
E, para falar sobre esse assunto,
convido Adriana Ferrareto que é coach,
palestrante e treinadora especializada em talentos e desenvolvimento humano,
uma expert nas relações e situações
do mundo corporativo. Adriana conhece como poucos o cenário de disputas e
conflitos nas empresas.
Convido você, leitor, a participar desse
bate papo que tive com a Adriana!
- Adriana, antes de
tudo, gostaria de agradecer sua participação no blog. Vamos abordar vários
temas sobre esse assunto e que, acredito eu, possam estar relacionados à
história do chefe autoritário. Vamos começar por ele mesmo. Como você percebe o
posicionamento dos chefes no Brasil? Como observa o comportamento geral deles?
Eu
acho que está mudando um pouco a percepção da liderança, mas ainda é muito incipiente
essa mudança do olhar do líder. Na verdade, o que acontece é um despreparado
das organizações de promoverem pessoas que não estão preparadas para o papel de
liderança. Existem dois equívocos aí: ou as pessoas são promovidas porque têm
lobby, poder político (conhecem alguém que decide isso e consegue as promover)
mesmo sem ter know-how, mas o mais
comum que acontece é que, quando uma pessoa, em geral, gera bons resultados,
ela é promovida para a função de liderança. Isso é um equívoco porque o fato
dela gerar resultados não quer dizer que ela será uma boa líder. Portanto, o
ideal seria que nós preparássemos pessoas com competência, habilidades com
visão do tempo e valores específicos para a função, para que quando houvesse
uma oportunidade na organização, aí sim, fosse promovida líder porque estaria
capacitada pra esse processo.
Sobre
o comportamento geral dos líderes, eu os observo bastante despreparados e, por
sua vez, o comportamento que isso gera, é que para poder receber elogios ou
serem reconhecidos, continuam muito operacionais. Então, eles não conseguem
subir um degrau nessa hierarquia e, aí, eles tentam fazer o papel de seu
colaborador. Detalhe: eles também não sabem desenvolver suas equipes pra
executar as funções que outrora faziam. Então, eles não delegam, tem uma
péssima comunicação e ficam bravos quando a equipe não realiza. Portanto, a
maior parte dos problemas das equipes não advém dos colaboradores dos grupos,
mas da má gestão que esses líderes aplicam.
- Dizem que a
história do autoritarismo está relacionada à época dos engenhos, onde o senhor
da terra mandava e desmandava sem qualquer limite ou ponderação. É evidente que
essa referência é bastante acentuada (não acredito que tenhamos senhores de
engenho dentro das empresas). Qual sua observação a respeito do autoritarismo?
De que maneira ele aparece, atualmente, nas empresas?
O
verdadeiro líder tem seguidores, ele é inspirador. Ele tem consistência entre
ação e a fala. E por, isso, as pessoas se sentem mobilizadas a seguir pessoas
assim. Eu diria que são muito poucos os líderes que têm essa competência
infelizmente. Os que não têm tentam impor, através da “carteirada”, da
autoridade e do poder que as coisas aconteçam.
E a gestão pelo medo acontece em grande escala. O problema é que isso
não é duradouro. Quando um líder é excessivamente duro e faz a gestão pelo
poder, ele gera doenças no grupo e na equipe, além de disfunções, que são
patologias que vão aparecendo dentro do grupo. Entre elas está a falta de
confiança, porque não dá para expor a vulnerabilidade se o chefe vai usar isso
contra você. Por sua vez, por esse funcionário não ter confiança no chefe
autoritário, não entra em conflitos de maneira saudável, não sabe brigar (em
geral ou as pessoas são bélicas ou são submissas). Então, é como se fosse uma
pirâmide: falta confiança, por sua vez os colaboradores não conseguem entrar em
conflitos de maneira positiva, que na terceira etapa do processo gera falta de
comprometimento (falta de cuidar uns dos outros), e por último, foco no
resultado. E o autoritarismo do chefe pode desestruturar toda uma equipe
levando a essas patologias.
- Para você, qual
seria o papel de um chefe e sua postura ideal?
O
papel do chefe tem que estar bem delineado pela corporação porque os níveis se
modificam. Não dá para generalizar, tem líderes júnior, pleno, sênior dentro
das corporações. O ideal é aquilo que a gente chama de pipeline da liderança. O Ram Charan[1] é um grande especialista e
é reconhecido, mundialmente, por essa
competência. Ele fala que do nível técnico de gerenciar a si mesmo e o nível de
gerenciar outras pessoas, a gente sobe um patamar nesse pipeline, mudando as habilidades, a divisão do tempo e os valores
que a pessoa possui. Esse tripé é essencial que o líder conheça. Então, ele
precisa saber o que a empresa de fato espera dele nesta função. E também tem
que ter essa clareza por parte da empresa. Então, o papel do líder é saber,
exatamente, que habilidades são requeridas dele na função e que não são só
técnicas. São, sobretudo, comportamentais. Ele precisa saber contratar, deve saber
lidar com conflitos, precisa saber dar e receber feedbacks, tem que conhecer profundamente a logística da delegação,
ele tem que saber ser gestor de mudança e fazer transição para que as pessoas
sintam-se acolhidas mesmo diante do caos, então, existe uma infinidade de
competências que o líder precisaria saber para, de fato, ter resultados
efetivos e equipes bem estruturadas. A postura ideal desse líder é colaborativa
e ele tem que ter um papel de coach.
Ele está lá para ajudar as pessoas a chegar onde cada um precisa dentro da
empresa. Então, ele não pode atrapalhar, nem coibir. Ele tem que proporcionar
um ambiente criativo, que haja liberdade de expressão, que as pessoas possam
mostrar suas intenções e seus erros, porque é errando que se aprende. Essa
seria uma postura ideal. Sobretudo, ele tem que entender que está no mesmo
barco que a equipe, então, não tem superioridade, exceto a diferença de
salário. Deveriam todos (chefe e colaboradores) estar imbuídos do mesmo
propósito que é gerar resultado para a corporação.
- Observo que os
profissionais, em geral, dificuldades de lidar com seus próprios conflitos. E
mais, em alguns momentos, podem, inclusive, culpar os chefes por seus erros e
até falta de competência. Como um chefe pode observar isso e convidar seu
funcionário a se analisar melhor?
São
duas questões que devem ser analisadas. A primeira questão é a projeção, que é
tudo aquilo que eu não consigo lidar bem em mim e culpo o outro. Via de regra é
isso que a gente faz em todas as áreas da vida. Essa competência de olhar para
dentro e admitir o que precisa ser melhorado, é um aprendizado e exige
equilíbrio emocional. A segunda questão, e que faz as pessoas fazerem isso, é que
toda vez que uma pessoa expõe sua vulnerabilidade ela é aviltada. Então, cria
um padrão de aprendizado de medo. Como vou expor as minhas dificuldades e
conflitos se alguém pode fazer mau uso disso? Então, via de regra, como
mecanismo de defesa, essa pessoa tira a atenção dela e vira o holofote para
outra pessoa. Normalmente, esse é o comportamento que as pessoas adotam. O
convite que o chefe deve fazer, quando ele percebe isso, é de uma conversa
individual muito pessoal. Pode trazer fatos e dados para fazer a pessoa
perceber que esse comportamento não é saudável para o grupo, não é saudável pra
relação dela com seu superior e não é saudável para o próprio desenvolvimento
do colaborador. Porque, enquanto eu projeto isso ou mudo o foco pra outra
pessoa, deixo de aprender com essa dinâmica. Então, ele pode mostrar através
desses elementos o quanto ele cresce se ele admitir que teve dificuldade.
Agora, evidente, que isso só vai funcionar se aquele chefe que está falando
isso der abertura para a pessoa aprender com seus erros, não ter uma crítica
pesada, julgamento duro. Depende de como esse chefe acolhe.
- Como uma coach pode ajudar nessa relação de
conflitos entre chefes e funcionários?
Na
verdade, existe um papel aí do árbitro que pode fazer mediação quando há um
conflito instalado. Não necessariamente precisa ser coach. Ele até pode ser, mas existem hoje formações de institutos
como OAB, institutos ligados à mediação e arbitragem onde você se forma para
aprender a fazer isso. E aí, com essa capacitação de influência e saber lidar
com conflitos, pode mediar essas relações. Então, existem técnicas salutares,
com protocolos, que ajudam as pessoas a reverem as suas posições bélicas, como
Comunicação Não-Violenta, investigação apreciativa. Existe uma série de
elementos que podem ser utilizados. O coach
que domina esses conhecimentos pode sim atuar nesses processos fazendo essa
mediação. Agora, o ideal seria que, em paralelo também, as pessoas fossem
desenvolvidas num processo de coach
para que elas possam trabalhar os seus comportamentos e irem se desenvolvendo.
- Como seria a
conduta ideal para falar sobre os sentimentos no mundo corporativo?
A
conduta ideal para falar de sentimento é não ser melodramático. Não é nenhuma
novela mexicana. Quando a gente fala do que sente, é evidente que tem que ter
relevância o que é dito. Um funcionário
precisa ter perspicácia e maturidade para não ser “magoento”, como diz o caipira.
Agora, se aconteceu um evento, ele é real, concreto e gerou um impacto
negativo, a pessoa pode dizer que tipo de emoção isso gerou nela. E quando fala
isso com propriedade, sem ficar chorando, gritando, as pessoas tendem a ouvir
mais. Porque quando falo do que sinto, isso conecta na empatia do outro. Então,
tem um poder muito grande. Não é o movimento que as empresas adotam, mas é um
caminho que a gente está buscando a levar as pessoas a acreditar a fazer.
- Por falar em
sentimento, é evidente que existem chefes que despertam sentimentos ruins em
seus funcionários. Mas, é uma verdade também que existe, em algumas empresas,
aquele ódio pelo chefe (ou resistência às suas ideias) pelo simples fato da
pessoa ser chefe. Como os profissionais podem observar que, em determinado
momento, o chefe está apenas cumprindo o papel dele?
A
minha dica é a seguinte: existe uma coisa que é a normose[2], a patologia da
normalidade. É normal falar mal do chefe? É! Mas, é lícito? Não! É normal a
gente brigar no Facebook por causa de política e parar de falar com os
coleguinhas por causa disso? É! Agora, é desejável? Não! É normal torcidas de
futebol brigarem umas com as outras? É normal! Mas, é uma temeridade. Essa
normalidade, essa normose, se instalou na relação do colaborador e chefe. Basta
a pessoa virar chefe que é até excluída dos grupos. Então, um olhar aqui é da
gente sair um pouco desse padrão porque ele já está manjado, né? Parar de olhar
tanto para o outro e olhar para si mesmo. Acho que essa é a grande dinâmica. E,
de fato, as pessoas que não foram líderes não sabem o quanto isso é difícil.
Porque o líder tem que amortecer tudo o que vem de cima, e geralmente vem de
uma maneira muito dura, para passar pros colaboradores. E as pessoas acham que
ser líder é fácil e não é. Agora, se a gente sair desse padrão de ficar
criticando as pessoas, a gente arregaça as mangas e vai trabalhar junto e vai
fazer o que de fato interessa, né?
- Digo que o tom de
voz e as palavras usadas em um discurso representam quase 50% da comunicação.
Os outros 50% ficam por conta da intenção na hora de se falar. Os chefes também
precisam prestar atenção nisso, não?
Tudo
está relacionado: todo corporal, os gestos, o tom da voz, o jeito que olha, tem
que ter relação com o propósito que a pessoa se comunica. E no que tange o tom
de voz, a gente pode ser firme sem ser agressivo, então, ser firme significa
olhar nos olhos, falar com objetividade, dizer o que precisa ser dito (o que a
gente chama de assertividade) mas, também pode vir com amor, pode ter ternura
nesse processo. Como dizia Che Guevara, "Hay que endurecerse, pero sin
perder la ternura jamás."
- Adriana, gostaria
de acrescentar qualquer outra ponderação a respeito do tema?
Quem
quer ser líder, tem que perguntar se essa aspiração é motivada pelo que? Ele
quer ter poder, quer ter status ou quer ganhar mais dinheiro? Ou, em último
caso, isso é uma vocação e sente que tem talento pra isso. A função da
liderança é extremamente desafiadora. E a pessoa tem que saber que a
remuneração que ela vai ter não justifica o papel da liderança, a não ser que
ela goste muito daquilo que ela faz e que ela goste de pessoas. Se a pessoa que
está lendo a entrevista não deseja ser líder e tem uma relação difícil com o
chefe, ela tem que questionar se aquilo é passível de ser modificado ou se, de
fato, ela deseja mudar de trabalho. Realmente, a relação com o superior
compromete muito o desempenho. Agora, a última observação é: quanto do meu
problema é causado por meu chefe ou tem relação com meu comportamento? Então,
quando a gente tem essa sabedoria prática de olhar para si e não só
responsabilizar os outros ou outro por nossos problemas, essa maturidade emerge
das relações e a gente começa a viver em ambientes mais pacíficos. Então, fica
aqui minha sugestão para esse autoconhecimento, cada um ficar no seu galho e
buscar desenvolvimento pessoal.
Agradeço Adriana
Ferrareto por compartilhar de seus conhecimentos com a gente.
Adriana é natural de São Paulo – SP e atualmente vive em
Curitiba, possui graduação em Propaganda e Marketing e é pós-graduada em
Desenvolvimento Gerencial. Durante sua carreira gerenciou equipes de alta performance
na indústria farmacêutica, acumulando experiência como líder e principalmente
como desenvolvedora de novas lideranças. É também Executive Coach, formada pelo
Integrated Coaching Institute (ICI), com certificação Internacional em Coaching
Integrado, além do Coach U em Coaching Clinic. Possui mais de 1000 horas de
atendimento, grande parte delas com diretores e presidentes de multinacionais. Atua
como palestrante com temas na área de Desenvolvimento Humano, além de realizar
treinamentos e cursos intensivos in company sobre Talentos, Resiliência,
Reuniões Eficazes, Gestão do Tempo, Marca Pessoal, Gestão de Carreira e outros.
Conheça mais sobre Adriana, no site: http://adrianaferrareto.com.br/
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