Você senta em frente ao computador e checa o celular. Depois,
olha, novamente, o computador. Abre uma aba para navegar um pouco e ler sobre outros
assuntos. Abre várias páginas.
O interfone toca. É a pizza. Você pensa: “não, tenho que me
focar!” Aí, você lembra que se esqueceu de pedir alguma coisa para beber. Desce
até a mercearia e compra um mate.
Volta. Senta-se em frente ao computador. Nenhuma ideia vem à cabeça. Então, você se
lembra de que precisa pedir a um amigo para comprar os ingressos para o cinema.
Senta-se novamente em frente ao computador. Ainda nenhuma
ideia vem à cabeça. Aflito, olha no relógio. O prazo está acabando e você
precisa escrever. Respira fundo.
Levanta-se para lavar o rosto. Vê que os colegas de trabalho
já estão indo embora. “Já é tarde”, você pensa. Respira fundo novamente.
Digita algumas palavras no teclado, mas não lhe parece ser
uma ideia concreta. Apaga tudo!
A página em branco com um sinal do cursor parado aumenta a
sensação de que algo está errado. “Por que não consigo escrever?”
Alguém toca a companhia. É a última entrega do dia. Uma
correspondência que nem é para você. Aí pensa: “pronto, o mínimo de raciocínio
se foi.”
Senta-se em frente ao computador. Coloca a mão na cabeça. E
pensa: “isso só acontece comigo.”
Por muitas vezes desejei que o ato de escrever fosse uma cena
bucólica, sentada em um grande gramado verde, num dia de sol, com um caderno
antigo numa mão e na outra a caneta tinteiro. Em meio às flores, o cheiro da
lavanda vem de todos os lados. Amparada por uma sombrinha de linho, então, a inspiração
viria. Sem bloqueios, sem medos ou sentimentos estranhos. Quem não gostaria?
Talvez Jane Austen tenha vivido essa cena, duzentos anos
atrás. E, com certeza, estar perto da natureza em uma situação tão ideal para a
elevação do pensamento e criatividade talvez tivesse ajudado uma das mulheres mais
célebres da literatura a se tornar um clássico.
É importante observar, no entanto que, assim como o ocorre em
todo o mundo, na Inglaterra de Austen também existe o inverno (sempre existiram
as estações). Imagino que, duzentos anos atrás, sem internet nem tv a cabo
deveria ser meio decepcionante ficar dentro de uma casa durante alguns meses
esperando a neve ir embora. Portanto, apesar de não ter sido íntima de Jane
(mas, adoraria), tenho certeza de que ela abusou de uma estratégia que todos
que precisam escrever (seja um livro, um blog ou um relatório bobo) deveriam
tentar: a imaginação.
Que tal, simplesmente, se transpor para um lugar onde
gostaria de estar? Se você precisa escrever algo que está na sua cabeça já
imaginou encontrar um cenário para se sintonizar consigo mesmo? Acredito que
esse seja um passo valioso. Não convivi com os grandes escritores, mas tenho
absoluta certeza de que eles se permitiam a criar os cenários mais lindos
possíveis no momento da escrita.
Bom, mas na época de Jane Austen, por exemplo, não havia
prazo. Eu não tenho tanta certeza assim. Mas, vamos supor que não! De qualquer
forma, um passo já foi dado para o desenvolvimento de sua escrita. Agora, é
encaixar esse cenário lindo dentro do tempo que se tem para escrever.
Existe uma frase de alguém conhecido (que só eu não conheço),
talvez Millor Fernandes, que seria mais ou menos assim: “o prazo é a maior
inspiração.” Duvidava seriamente dela até que escrever passou a ser um negócio,
literalmente.
Quando se precisa escrever é fundamental ter a intenção de
que se vai escrever. Não abrir outras abas do computador, não navegar pelo
Facebook. Nada disso vai lhe ajudar. A inspiração está dentro de você. Mas,
para encontrá-la, talvez uma música dê certo. Talvez criar, mentalmente, um
cenário inspirador ajude. Mas, que tal simplesmente deixar vir? Sem medo do que
vai sair? Sem receio do que vão pensar? Sem procrastinar por qualquer outro
motivo?

Mas, se apesar de tudo isso sua escrita não fluir, escreva
mesmo assim. Porque o seu prazo, meu amigo, vai estourar. Então, é melhor
tentar. Além disso, quando se vê que é possível escrever dentro de um prazo é
como passar de fase: você está apto a escrever sob pressão, mais vezes.
E, quem sabe, da próxima vez que você escrever, não chame a
Jane Austen para um café? Ela vai admirar a sua inspiração com um prazo
estabelecido!
1 comentários:
As vezes acho que escrever é como sair da prisão. Você se sente pequeno, apertado, preso. Aí vem o alvará de soltura e você desanda a escrever. O cadeado abre, começa a sentir o ar livre. Os pulmões respiram novamente. Está livre. Está escrito.
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