Lembro-me de ser muito pequenininha (uns três anos),
passeando de mãos dadas com meu pai, ao ver um símbolo de um banco próximo à
praça central da cidade onde nasci. Era um dia de comemoração, havia fanfarra,
possivelmente, uma data cívica.
Aquilo me chamou a atenção e fiquei com a imagem na cabeça
por muitos anos. Até que o símbolo do banco se tornou nítido na minha mente. E,
então, trinta anos depois, perguntei a meu pai: “já teve Citibank aqui na
cidade”? Surpreso com a pergunta completamente descabida ele disse: “ah, há
muito tempo. Você nem era nascida”. Claro que não me dei por vencida, afinal,
eu me lembrava daquela cena, nitidamente, durante quase a vida toda!
E, então, fui pesquisar. Enquanto não descobri quando foi que
a agência da cidadezinha tinha desaparecido, não sosseguei! Levou um certo
tempo para aceitar que meu pai estava certo! A agência havia fechado três anos
antes de eu nascer. Então, como é que aquela cena poderia ser tão nítida em
minha cabeça?
Porque ela estava só na minha cabeça. Talvez eu tenha sonhado
com a cena e um dia encontrei um símbolo parecido com o do Citibank e então
assimilei uma coisa com a outra. Ou ainda, a cena poderia, realmente, ter
acontecido, mas sem todos os detalhes.
De certa forma, meu equívoco – depois que passou a surpresa
pelo não ocorrido – trouxe um pouco de alívio. Num primeiro momento, achei que
estava louca ou que havia começado a ver coisas. Depois, veio o otimismo junto
com um pouco de lógica e razão: percebi que as histórias do passado podem ser
tão reais como as situações que realmente vivemos ou podem, simplesmente, ser uma
mentira contada por nós mesmos.
É um alívio poder tornar um passado “esquisito” transformado em
pó, assim, como um piscar de olhos. Basta não atribuir a ele nenhum peso. Afinal,
ele não existe mais mesmo, não é verdade?
Se se observar os passados mais difíceis por essa
perspectiva, fica bem mais fácil deixar as bagagens do passado no passado,
simplesmente. E permitir-se construir uma nova realidade para seu próprio
passado.
Mas, observo um movimento (que eu mesma fiz durante algum
tempo) de conjugar o passado no presente. Repare, leitor, como as pessoas
trazem à tona as experiências do passado como se pudessem vivê-las naquele
exato momento. Muitas vezes, com a mesma emoção vivida na situação que já se
passou, independentemente se é uma situação boa ou ruim.
No entanto, observe como um “equívoco” pode ajudar as pessoas
a enxergar uma situação como uma “lembrança sem peso”. O meu sonho de criança era
tão real que podia ouvir o que a fanfarra tocava. Mas, depois de perceber o
equívoco, a cena desapareceu da minha cabeça. Agora, é uma lembrança sem
sentimentos, como uma observação neutra sobre um assunto.
Já pensou, então, poder apagar o passado que nos traz
amarguras no coração? Muita gente vai dizer que não é fácil, assim, apagar um
problema, um drama e até um trauma. Concordo plenamente. Existem assuntos que
demandam mais atenção e tratamentos.
Agora, já pensou em praticar o “equívoco” com seu passado em
algumas situações menos importantes? Por exemplo, pode ser o medo de dormir no
escuro ou de comer beterraba. E, se você simplesmente acreditasse que adora um
escurinho e que suco de beterraba é uma delícia? Sua vida não poderia ficar melhor?
Pelo menos, para mim, tem sido útil. Desde que deixei o
“equívoco” entrar em minha vida, observei o passado como “coisas que passam”.
Já não me importam mais se foram verdadeiras ou não, ou se tem o peso ou não do
passado. Deixo as coisas irem! Deixo as pessoas irem. Deixo as tristezas irem!
Assim como uma lembrança de um momento que pode ou não ter existido!
1 comentários:
Belíssima reflexão, Alloyse. Já eu tenho é saudades do futuro.
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