Quem nunca contou uma pequena mentira para
si mesmo?
Não falo daquela mentira cabeluda que
atrapalha a vida. Quer dizer, quase toda mentira atrapalha a vida.
É sabido que mentiras não valem a pena
porque, claro, uma hora a verdade aparece. No entanto, uma mentirinha pequena,
quase boba, de vez em quando, confesso que traz até paz de espírito.
Uma mentira é um compromisso que ainda
não foi assumido. É verdade que não amadureceu. Dizer que você irá começar o
regime na segunda-feira, por exemplo, é uma mentirinha. Você sabe que talvez
precise, mas ainda não está tão certo na sua mente como irá resolver isso.
Então, chega a segunda-feira e você mente para si mesmo: será que não posso
começar amanhã?
Honestamente, acredito que não há um
grande problema nas pequenas mentiras. E não falo isso porque não faço regimes.
Aliás, numa menti quando falei que faria um. Mas, defendo esse ponto de vista
por dois motivos: primeiro porque as pessoas não querem assumir que mentir é ser
falível. E ser falível torna, a princípio, as pessoas menos interessantes. Uma
besteira, na verdade! Assumir quem se é, com todas as suas verdades, é uma
batalha para a vida toda. Se você mentir para si mesmo, de vez em quando, numa
tentativa de esconder sua própria preguiça ou seu medo de enfrentar algo, é
sinal de que você é um ser falível. E como todos estão em processo de
aprendizado (a não ser que você seja Deus), portanto, sinal de que se está no
caminho certo.
Mentir também pode ser entendido como
uma fuga. Você pode mentir que irá começar o sapateado na semana que vem ou
fazer aquela academia de box de que fala todos os meses que vai se matricular.
Mas, será que quando você arranja uma desculpa por não ter conseguido se
inscrever será apenas uma fuga? Ou será que você entendeu que não aguenta mais
tantas cobranças internas ou externas?
E as cobranças não ajudam em nada. Nem
as dos outros, nem as suas. Todos os dias, deparo-me com pessoas incríveis e
talentosas e amáveis se cobrando de uma maneira inacreditável. E, claro, como
elas não conseguem fazer “tudo ao mesmo tempo agora” acabam se frustrando
porque não conseguem nem contar uma mentirinha para si mesmo, de vez em quando.
Ou simplesmente, não conseguem nem mentir que tinham um desejo que não foi
realizado. Coisas do tipo: ah, deixa para lá, uma hora me resolvo com isso.
É um fato que deixar para lá é uma
evidência quase hippie dentro do
século XXI. Tudo o que as pessoas querem é ser livres para viver e curtir a
vida. Conhecer pessoas novas, ousar, experimentar. Mas, confesse, agora de verdade, quantas vezes você se sentiu
livre em sua rotina? Quantas vezes você pensou: por que é que eu quero toda
essa rotina?
E aí, claro, as mentirinhas são o
reflexo de uma administração insuportável de vida, numa tentativa de ter uma
agenda inatingível de buscas inexistentes. Então, vendo por essa perspectiva,
acredito que a “mentirinha” diz muito mais do que a verdade. Porque ela vai evidenciar
o que talvez você gostaria, realmente, de fazer. Ou o que você gostaria,
realmente, de ser.
Por isso, digo que existem duas maneiras
de lidar com a mentirinha: entender que ela realmente não amadureceu a ponto de
virar uma verdade e está comunicando imputs
para a sua mente, que ainda não conseguiu assimilar os desejos do seu
coração (e aí, é preciso paciência da sua parte); ou você pode ir anotando as
suas mentirinhas. Observe-as como um objeto que você deixa na estante e, quando
criar coragem, converse com essas anotações como se fosse um amigo novo.
Daqueles que você não tem muita intimidade, mas tem o maior respeito.
Mentir, portanto, dentro de uma vida
caótica, cansativa e pesada pode ser a porta de entrada para muitas soluções.
Se permita mentir (de leve), de vez em quando, e você verá quantas coisas importantes há nelas. De
verdade!