Sabe aquele dia em que você encontra um colega em um
refeitório da empresa, conversam sobre aquele relatório que só vocês sabem do
que se trata? Tomam um café juntos. Ao final, você fica super feliz por entender
que o que o outro disse não é nada demais, apenas alguns detalhes técnicos?
Situações como essa surgem em qualquer profissão. Médicos, jornalistas, publicitários,
engenheiros têm jargões e detalhes técnicos, que só quem é da área entende. E
não é diferente com advogados, um tipo de profissional que tem uma linguagem
tão própria, que às vezes parece um idioma diferente.
Convidei dois amigos advogados para bater uma bolinha a
respeito da comunicação e o Direito. Por quê? Nem sempre é fácil entender o que
um “doutor” quer dizer. Dificuldade nossa ou deles? Depois dessa conversa
(descrita abaixo), entendi que, às vezes, advogados também sofrem para
compreenderem seus clientes. Somos todos humanos!
Fiz um bate bola com Fabiano Nakamoto e Larissa Nakamoto,
casados (pelo sobrenome, está claro!), advogados. Veja o que rendeu esse papo
de tribunal, ou melhor, de tribuna. Ah, enfim, de cantina mesmo.
- Advogados têm uma linguagem própria, claro. Mais do
que isso, eles usam um linguajar bastante formal. Por que isso acontece?
Durante a faculdade de Direito,
aprendemos que tudo tem um nome e tudo tem uma definição. Descobrimos que uma
defesa num processo não é uma simples defesa, tem nome, função e momento
próprios. Um universo de novas palavras, inclusive, citadas em latim. E quando aprendemos algo novo, e
isto nos é caro, é claro que temos prazer em utilizar este novo conhecimento.
Imagina se não é exibido citar um trecho em latim?
Acabamos que, diante de tantas novidades
e especificidades, o Direito cria um mundo em si mesmo, e com comunicação
própria. E não há, na faculdade, uma cadeira que nos ensine a como transcender [a
linguagem] do Direito e torná-la adequada ao cidadão não-advogado.
- É perceptível na
profissão de vocês, que algumas palavras trazem uma “beleza” extra a um
processo ou até provoquem um encantamento, quando utilizada por um juiz, por
exemplo. No entanto, seria possível tornar mais simples essa linguagem no dia a
dia do exercício do Direito?
Um advogado precisa atender o grande
empresário em suas demandas milionárias e também atender o analfabeto humilde
em riquezas, mas grande de espírito. E o Juiz precisa entender a simplicidade
do analfabeto; e o analfabeto precisa entender a sentença do Juiz. No entanto,
a linguagem do advogado num processo não pode fugir à tecnicidade para não
perder a formalidade que a lei exige. A grande dificuldade que percebemos está em
como simplificar para além do processo, para o cidadão comum. Seja para
explicar a decisão judicial, seja para emitir um parecer jurídico igualmente
acessível.
- Que tipo de dificuldades
na comunicação vocês acreditam que os advogados tenham?
A dificuldade talvez não seja somente do
advogado. Acreditamos que isto possa ser de forma geral para todos os
profissionais, talvez exceto àqueles preparados para ouvir (como os psicólogos,
por exemplo). Estamos falando da escuta ativa. Aquilo que pareceria óbvio (ouvir
o cliente), nem sempre ocorre. Devemos sempre ouvir de forma ativa,
efetivamente ouvir a queixa, e entender pormenorizadamente do que se trata.
A escuta ativa, diga-se, deve ser uma
via de mão-dupla, porque nem sempre o cliente está disposto a ouvir aquilo que
o profissional tem para dizer. Nem sempre a lei autoriza aquilo que o cliente
quer, e se não nos é agradável ouvir um “não”, tendemos a ignorá-lo. Tendemos a
ouvir somente aquilo que nos é interessante.
- Vocês acreditam que a
seria possível tornar a linguagem do Direito menos técnica?
Acreditamos que talvez aqui esteja a
grande celeuma, isso porque falar com técnica é sinônimo de transmissão de
conhecimento de forma objetiva dentro do processo, direcionado para e por
operadores do Direito.
Neste aspecto, não acreditamos que alterar a linguagem técnica
seja viável. Contudo, falar para não-operadores do Direito exige sensibilidade
para literalmente traduzir a linguagem jurídica.
A comunicação é muito ampla, existem
muitas formas de dizer a mesma coisa, basta paciência e, repita-se,
sensibilidade.
Para se ter um exemplo, nem se tratava
de uma situação jurídica, mas pudemos
intervir no ocorrido: uma senhora estava sendo atendida pela funcionária do
banco na fila do autoatendimento, que repetia de forma grosseira e áspera a
expressão: “insira o cartão”. E a senhora nada de se manifestar. Foi então que
perguntamos para a atendente se não poderia explicar que “insira” é o mesmo que
“coloque o cartão”. Só então, a própria senhora disse: “Ah, é pra colocar o
cartão?”.
A questão era: prestar atenção na
necessidade e dificuldade do outro. Assim, como nessa situação, sempre é
possível simplificar!
- Vale lembrar que o exercício
do Direito é fundamental para a manutenção das leis do
país. Vocês acreditam que essa área (disciplina) deveria ser mais acessível à
população? E quando falo acessível, estou dizendo que todos deveriam conhecer ou
aprender essa área na escola, por exemplo?
Há experiências em outros países em que o Direito foi efetivamente
inserido na educação infantil como tema de cidadania e direitos humanos, e os
resultados foram surpreendentes, no desenvolvimento de crianças e adultos mais
conscientes.
Não estamos falando em lecionar aquilo
que se apreende na faculdade de Direito, mas inserir conceitos básicos e
fundamentais da nossa Constituição, e isto talvez prepare as pessoas para
melhor convivência em sociedade.
- Como vocês acreditam que
o advogado (e o Direito) podem melhorar a sociedade brasileira por meio da
comunicação?
Sem
preconceitos e libertos das vaidades, fato é que o advogado é nobre em sua
profissão, possui prerrogativas constitucionais que outras profissões estão
longe de alcançar.
Evidentemente, isto não é por
merecimento da classe, e sim, porque é o advogado quem recebe a queixa do
cidadão, elabora-a formalmente de modo que a Justiça seja feita.
É bem verdade que em algumas situações
outros órgãos da Justiça possuem sua autonomia para de ofício defender interesses dos cidadãos, mas é
do advogado o mister dessa defesa.
Por isso, a sensibilidade do advogado é
que deve conduzir esta transmissão de conhecimentos, e se não é a faculdade que
nos ensina diretamente esta habilidade, é nosso dever compreender e saber ser
compreendido! Porque o Direito é caminho para a Justiça, Direito de Todos.
- Vocês têm alguma história engraçada envolvendo o
“linguajar do Direito”?
Uma vez
estávamos no Juizado Especial, em que qualquer cidadão pode formular sua
queixa, mesmo sem a presença de advogado.
Um senhor, muito simples, tentava contar
uma história, mas com muita dificuldade de dicção, e a única frase que
conseguíamos entender era que “onde já se viu, sem xaxim?”.
Ele repetia na tentativa de se fazer
entender. Chamou-se até um descendente de japonês, para a tradução, já que xaxim não
era vaso para plantas, descobriu-se
também que ele não se referia a nenhuma fotografia
(Shashin, em japonês).
Depois do reboliço, e muitos intérpretes, entendemos de que se
tratava do chassi de um carro. E que
ele havia comprado um carro sem chassi
válido. Ou seja, tem horas que não é apenas o “juridiquês” que é difícil de
entender. A linguagem coloquial também pode criar ruídos.
Gostaria de agradecer, imensamente, a colaboração de Larissa
e Fabiano Nakamoto, que foram muito gentis em nos ajudar a entender melhor a
linguagem do Direito.
Conheça o trabalho desses dois excelentes
profissionais:
Larissa Rosa Mirinel Nakamoto
Advogada e Consultora Jurídica, especialista em Direito
do Trabalho e Processual do Trabalho,
Ex-Procuradora Municipal lotada no Centro de Referência Especializado de
Assistência Social (CREAS), experiência em direito social e sindical.
Fabiano Nakamoto
Advogado, integrante de departamento jurídico,
especialista em Direito Empresarial, membro da Comissão do Advogado Corporativo
e instrutor de processo ético-disciplinares da OAB/Londrina.