Você conhece o Mário? Que Mário? Rsssss. Quem não conhece
essa piada vai ficar sem conhecer, porque não sou eu que
vou contar! Rssssss.
Essa é uma
brincadeira que fazemos com um amigo português, que trabalha num espaço coworking em Curitiba, junto com um pessoal
muito bacana. Claro, a gente não poderia ficar sem fazer piada com o português!
Entre as brincadeiras está que a mãe do Mário tem bigodes! Coitado! Honestamente,
não sei quantas vezes Mário ouviu a piada do “Mário do armário”, mas foi essa
ligação carinhosa - que todos nós do escritório temos - com um estrangeiro, é
que levou a criar esse post.
Nesse
escritório, não tem ninguém que não trate o Mário com carinho. Sabe por quê?
Além de ser um cara muito legal, os portugueses, como se sabe, são pessoas recebidas, geralmente, com amor no Brasil. E uma
das coisas mais deliciosas para um brasileiro é ouvir um português falar! É um
jeitinho muito peculiar. Existem palavras diferentes, um sotaque acentuado, uma
sonoridade charmosa.
E, então, um
dia, virei para o Mário e disse: precisamos criar um post só para falar sobre
como a língua portuguesa estreita as relações entre os dois países. Sei que
parece óbvia essa frase, mas não é! O português é uma língua única, com uma versatilidade quase infinita. Brasileiros e portugueses têm um amor incondicional
pela fala e a escrita desse idioma.
Foi que, de umas
semanas para cá, a quatro mãos, Brasil e Portugal, representados por
pessoas ilustres (desculpa aí, sou a representante modesta do Brasil) sentaram-se na mesma mesa para
falarem das peculiaridades da língua. E o que saiu foi o que está
abaixo: o resultado de muita conversa, pesquisa e admiração pela própria língua.
Existem mais
ligações entre Brasil e Portugal do que o imaginário possa permitir. Mas, sem
sombra de dúvidas, a língua é a mais nítida dessas ligações porque permite, há
cinco séculos, criar laços estreitos entre essas duas nações. Lembro-me de ter
dito um dia ao Mário: você sabia que da língua viemos e para a língua iremos? Toda
relação do Brasil e Portugal, do passado ao futuro, passa pela língua. Mário,
concordou. E, então, me lembrei de uma frase que está cravada na entrada da
capela dos ossos, em Évora, Portugal: "Nós
ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos". Eu sei que a frase parece
fúnebre, mas há profundidade e verdade nela. A capela, construída no século
XVII, foi elaborada com uma
mistura de ossos trazidos de cemitérios e também de conventos de todos os
cantos de Portugal. O intuito de se
construir uma capela “sustentada” por caveiras é o de lembrar que a vida é
apenas um momento, uma passagem, e que, cedo ou tarde, qualquer um se transformará em ossos e
depois em pó. É evidente que, ao entrar num local como esse ninguém se livra de uma reflexão em
torno do que se faz com essa “passagem” pela vida.
Essa
“mensagem” pode ser a mais evidente na frase da Capela. Mas, também gosto de
fazer outra analogia. Acredito que também permite a interpretação das mudanças da vida e sobre o
fluxo e refluxo dos movimentos que, nós humanos, fazemos. E como essas mudanças
também interferem no desenvolvimento da língua.
Assim
como ocorre na vida, a língua portuguesa, ao longo dos séculos, passou por inúmeras transformações,
principalmente ao se “juntar” inúmeras vezes a outros idiomas. Fez surgir, portanto, novas
maneiras de “soar” o português. Estudiosos afirmam que a língua se originou do
latim vulgar, no Norte de Portugal, tendo sido “entendida” como uma “língua” por
volta do ano 1100 d.C. E quantas mudanças ocorreram a partir de então!
Uma
língua por si só já sofre transformações necessárias impostas pelas adaptações
do tempo. No Brasil, o português está e sempre esteve passando por essas modificações.
É isso que é chamado de transitoriedade da língua. E que delícia são essas
mudanças, principalmente quando se vê semelhanças e diferenças no falar de
brasileiros e portugueses.
Brinco
que línguas funcionam mais ou menos como bolas de sabão que, quando assopradas
meio forte podem se unir. E se isso acontece, uma bolha maior se forma dando
uma nova forma às pequenas bolas.
Aqui
no Brasil, todos sabem que a primeira comunicação escrita feita em solo brasileiro, utilizando a língua
portuguesa, foi a carta de Pero
Vaz de Caminha, denominada Carta do Achamento do Brasil. Achamento? Isso mesmo!
Hoje, essa palavra não tem o menor cabimento, mas, em 1.500, deveria ser
bastante usual.
Particularmente,
acredito que o presente mais importante e bonito que Portugal teria dado ao Brasil
é a própria língua. Está-se tão acostumado a falar que não se percebe a
sonoridade do português, uma língua complexa e ao mesmo tempo suave! Os nativos
portugueses ainda têm o gosto a mais da pronúncia graciosa, que permite tornar qualquer frase charmosa. Além de expressões tão peculiares, que às vezes soam de
maneira intrigante na primeira vez em que são ouvidas. Quer um exemplo? Portugueses não falam
“alô” ao telefone. Só falam: “Tou,
sim”.
Esse
jeitinho de
falar também foi
adotado por nós, brasileiros, principalmente no campo da sonoridade. Os moradores do estado de
Santa Catarina, por exemplo, receberam uma influência açoriana ao falar. É o
sotaque como herança.
Mas,
não foi apenas o português falado que os cidadãos daqui receberam influência. Muito
antes de se ter noção do que era a literatura portuguesa, os brasileiros foram
apresentados a poemas e outras formas de escrita trazidas ainda pelos jesuítas,
entre eles, Padre Manuel da
Nóbrega, Padre Anchieta e Padre António Viera.
Com
o passar dos séculos (eu sei que vou dar um salto na história), não foram só os
escritos religiosos que conquistaram os brasileiros. A literatura portuguesa se
fez presente em quase todas as fases da evolução da literatura brasileira. Escritores como
Camões, Bocage, Camilo Castelo Branco, Eça de Queiroz, Florbela Espanca,
Fernando Pessoa (e seus heterônimos mais conhecidos), José Saramago, foram
lidos, comentados, inspirados também por escritores, artistas e cidadãos das
terrinhas daqui.
E,
claro, essa troca foi justa. Inúmeros escritores brasileiros ficaram conhecidos em Portugal e hoje são,
igualmente, admirados. E apesar das diferenças entre os dois países, ambos fizeram várias trocas
culturais durante séculos. E construíram, juntos, um vínculo que se iniciou por
meio da língua.
A
música, por exemplo, é uma via de mão dupla entre os
dois países. Assim como o Fado é bastante admirado pelos brasileiros - ainda que não se perceba essa influência
direta na música popular - os cantores
brasileiros também fazem sucesso na terra de Camões. Caetano, Chico, Daniela
Mercury, Ivete Sangalo e mais cantores da MPB são profundamente respeitados pelos
portugueses.
E é
justamente com Chico que termino falando sobre a língua portuguesa. Esse vídeo é
um comentário do artista sobre a música Tanto Mar, que fez para o 25 de Abril de
1974 (Revolução dos Cravos em Portugal). Demonstra, portanto, esse carinho entre
os moradores dos dois países. E mostra que a língua é o meio máximo de
expressão de um povo. Ou de dois!
p.s:
gostaria de agradecer a participação do amigo português, Mario João Silva, que
teve a gentileza de trocar ideias a respeito da língua, dos costumes
portugueses.
O Mário João veio da Trofa, Norte de Portugal, mora no Brasil há 10 anos e é gerente de negócios da multinacional portuguesa ManWinWin Software.
O Mário João veio da Trofa, Norte de Portugal, mora no Brasil há 10 anos e é gerente de negócios da multinacional portuguesa ManWinWin Software.
p.s1:
Não há nenhuma intenção de fazer um cronograma sobre a história de Brasil e
Portugal. Mas, de dizer como a língua portuguesa permitiu transformar os dois
países ao longo dos séculos.
p.s2:
esse post é dedicado, com carinho, a todos os portugueses que têm acessado esse blog e que,
apesar de Tanto Mar entre nós, sempre se fazem presentes, trazendo informações relevantes. Sejam sempre bem-vindos!
9 comentários:
Um olhar apaixonado... e que leitura gostosa!
Parabéns Alloyse e Mário pela sensibilidade do "contiúdo!"
Tenho um tio que é Portuga. Lendo este texto lembrei de uma nota de mil escudos que ele deu a mim quando eu era pirralho.
Deliciosa leitura. Parabéns Alloyse. O " contiúdo" da sua matéria é muito bom.
Erica, querida. Dois apaixonados pela mesma língua!! Que bom que gostou!!!
Obrigada, Rogério. Estendo os parabéns ao Mário também! :)
Parabéns aos dois pelo post !
Obrigada, Márcio. Seja bem-vindo sempre!
Belo texto, apaixonado e gentil argumento.
Mas, por dever da verdade e respeito à nossa diversidade linguística e riqueza cultural, não devemos esquecer que os brasileiros não falam só o português. Segundo o censo de 2010 os brasileiros falam 274 línguas diferentes entre as etnias nativas – entre elas há os falantes do alemão (Hunsrückisch),e italiano (Talian, de origem vêneta) e Pomerode. Mais de 17% da população Brasileira não fala português. E, se formas levar em conta a história, veremos que o português não foi bem um presente de Portugal.
Nos primeiros dois séculos após a chegada de Cabral, o que se falava por aqui, dentre tantas língua de cultura e povos diversos, o tupim, tida como língua geral e falada inclusive pelos portugueses, dentre eles os jesuítas.
O idioma dos colonizadores só conseguiu impor-se no litoral no século XVII e, no interior, no século XVIII. Em São Paulo, até o começo do século passado, era possível escutar alguns caipiras contando casos em língua indígena. No Pará, os caboclos conversavam em nheengatu até os anos 40. Era o idioma do povo, enquanto o português ficava para os governantes e para os negócios com a metrópole. http://super.abril.com.br/cultura/lingua-brasil-437755.shtml.
O português falado no Brasil é “hibrido”, daí a sua singeleza de sotaque e musicalidade, pois carrega os ritmos e as cores das culturas que se deixou mesclar. Aqui, no Brasil, o Português se enriqueceu, tornou-se maleável, musicado e includente. Foi capaz de se deixar impregnar pela musicalidade de sotaques nativos e africanos. Hoje falamos todos os dias algumas das 10 000 palavras que o tupi nos legou, sem falar nas palavras das línguas Africanas – milhares delas nos dando significado, sentido e identidade, em que pese os séculos de extermínio dos povos nativos e dos africanos aqui escravizados.
Somos um país multicultural e diverso, o português é um dos seus elementos apenas. Uma língua única. Genuinamente brasileira, com berço português.
Abs,
Cácia
Cácia, querida.
Suas observações são muito bem-vindas e obrigada por fazê-las e todos nós. Mas, gostaria de esclarecer que quis fazer uma licença poética e agradar nossos amigos portugueses. Com todo respeito, ao português brasileiro! Abraços.
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