“ - Dança
com Engraçadinha, meu bem.
Saem
os dois. A princípio engraçadinha não fala nada. Está comovida até as raízes do
ser. Finalmente, ergue e aproxima o rosto; fala bem de perto para que ele sinta
o gosto de sua boca e veja a cor molhada da sua língua. Sussurra: - ‘depois da
dança, deixa passar uns cinco minutos e vai pra biblioteca. Eu te espero lá’.
Fora, sim, na frente. E, na biblioteca, numa espécie de embriaguez foi tirando
tudo. Por um momento, teve a sensação de que jamais uma mulher se despira tanto
ou ficara tão nua.”
Engraçadinha
é uma das personagens mais marcantes de Nelson Rodrigues, jornalista, escritor
e dramaturgo brasileiro que ficou conhecido (e também difamado) pelo erotismo
em suas obras. Diziam os mais chegados que o escritor tinha obsessão por sexo
e, não à toa, foi intitulado como “anjo pornográfico”. Pornografia ou erotismo?
A
linguagem erótica é uma das vertentes da literatura. E só existe porque, desde
que o mundo é mundo, a sexualidade e o ser humano caminham juntos, fundidos em
seus desejos (ou pecados, para os mais puritanos!). Basta dar uma voltinha pelo
tempo para perceber que uma coisa está diretamente associada à outra: Vênus –
deusa do amor e da beleza - é uma das figuras mais conhecidas e citadas na
mitologia grega. Mitologia essa que foi inventada milhares de anos atrás.
Portanto, milênios atrás, a sexualidade e o amor já eram assuntos recorrentes
na sociedade.
Onde quero chegar com isso? Não vou revelar tudo de uma vez
só. Mas, pense comigo: a linguagem é uma das formas de expressão do erotismo,
assim como as artes. É possível se ver inúmeras estátuas dedicadas ao sexo
espalhadas por centenas de museus pelo mundo. A linguagem, portanto, é apenas
uma das maneiras de dar vazão à sexualidade e ao erotismo, justamente por ser
um meio de expressão e comunicação. Também precisamos comunicar nossos desejos,
não é mesmo?
Os escritores com sua imaginação fértil conseguiram
reproduzir o máximo do seu prazer ou a tentativa de chegar a ele e, então,
criaram a literatura erótica. Ela tem sido condenada durante séculos e é
facilmente confundida com a pornografia.
A
linguagem erótica não trata o sexo como explícito, marcado, mostrado,
evidenciado. É o que seduz, é o que provoca o desejo que vai levar ao ato em
si. Já a pornografia não se esconde atrás da fechadura da porta. É o explícito,
o carnal, por isso, muitas vezes é tachado como algo obsceno, promíscuo,
devasso.
Antes mesmo de
estourar no mundo o livro os 50 tons de qualquer coisa, a linguagem erótica foi
e tem sido uma das incentivadoras da sedução, da sexualidade e do prazer. Uma
das obras mais famosas é Kama Sutra, um estudo sobre o amor e a arte do desejo.
Dizem os estudiosos, que a obra não foi criada para servir de manual do sexo. E
também não é considerado um livro sagrado, nem profano, mas acabou virando uma
referência no assunto. Criada no século IV, atravessou séculos! A intenção do
livro, dizem, era observar o comportamento humano sexual, apenas. No entanto, teve um efeito muito maior: o de
apimentar muitas relações.
Por falar em apimentar, Sade, um aristocrata francês do
século XVIII jogou pimenta nos olhos da sociedade da época ao expor, em suas
obras, pessoas em situações depravadas e obscuras. Era uma crítica à sociedade
francesa e, por conta disso, o autor foi preso inúmeras vezes, mas nunca se
calou. Para Sade, a obtenção do prazer se dá através da dor do outro. Por isso,
o termo sadismo foi adaptado não apenas às práticas sexuais em que há
sofrimento, mas também àquelas situações em que há crueldade contra pessoas e
animais. Há quem goste! Afinal, Sade não faria sucesso até hoje se não tivesse
leitores assíduos.
Um pouco mais leve e também mais dissimulada, a também
francesa Anaïs Nin, é outro nome da literatura erótica que ajudou a elevar a
libido de muita gente. Ela publicou inúmeros livros sobre o assunto e, dizem,
que muitos dos seus textos são diários pessoais da escritora que foi amante do
também escritor Henry Miller. Devia ser uma dupla para lá de caliente! Miller foi considerado um
escritor pornográfico por causa de obras em que expôs a sexualidade em sua
forma mais profana. Miller, pretendia, na verdade, fazer uma crítica aos
pensamentos e atitudes de sua época.
A linguagem erótica, portanto, é uma maneira de expressar não
só desejos, mas de mostrar, sem inibições, o quanto o sexo ainda é um pudor
dentro das sociedades mais hipócritas. Matar, roubar, difamar, passar a perna
não é feio, feio é fazer sexo. Eu tenho preguiça dessas discussões bestas que
surgem em torno da sexualidade.
Portanto, vou concluir assim: a linguagem erótica ( que muitas
vezes aparece na forma de literatura) não é apenas um conjunto de palavras que traduz sussurros,
pele com pele, beijos, carícias. É uma maneira de você dar o melhor da sua
imaginação no melhor do seu prazer!
p.s: “A pornografia é o
erotismo dos outros.” – André Breton.
p.s1: O trecho citado no
início do texto foi retirado da obra Asfalto Selvagem – Engraçadinha, seus
pecados e seus amores.
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