A leveza é um estado de espírito. Eu sei que isso parece
óbvio, mas observe como a leveza tem sido tão pouco praticada, principalmente por
meio da fala.
Eu não entendo muito por que. Se é possível ser leve, por que
as pessoas têm esse hábito de escolher palavras pesadas que expressem seus
sentimentos? Será que essas pessoas são pesadas o tempo todo ou irritadas?
Eu adoro dizer que a leveza é irmã da tranquilidade, um ritmo
não apenas pouco praticado hoje em dia, mas também, por incrível que pareça,
até pouco aceito pela nossa sociedade considerada “contemporânea”. É
contemporâneo morrer jovem do coração, enfartado pelas próprias angústias,
quando se tem uma vida inteira pela frente? É contemporâneo querer tanto o
futuro que se esquece de viver o agora? Que tipos de palavras são ditas no cotidiano
contemporâneo?
Particularmente,
acredito que o contemporâneo é um espaço que já foi conquistado, um momento em
que não se luta por mais nada e que se desfruta de tudo aquilo que foi adquirido
e conhecido pelas gerações passadas. Analisem comigo: tudo o que se tem hoje é
fruto de dois mil anos ou mais de muitas guerras, lutas e vitórias. Conquistas
sobre o próprio conhecimento que trouxeram uma vida razoavelmente confortável a
boa parte dos seres humanos, principalmente os que habitam os centros urbanos.
E hoje, vive-se em um conforto tão grande que se começa a questionar o por quê de
se ir à padaria a pé, mesmo que ela fique a duas quadras da sua casa, se é
possível ir de carro. Não era para o homem estar feliz com tudo isso? E por que anda tão pesado em seus pensamentos
e palavras? Não sei dizer.
O oposto do peso é a leveza. Digo que a leveza é algo que
acontece quando se está desatento com o mundo: um molho de macarrão que cai na
sua camisa branca, um banho de chuva inesperado, um abraço bem apertado, o
cheiro do bolo assando, o pisar na grama molhada, o boiar em alto mar, uma
cortina que se move com o vento e faz uma coreografia engraçada. Tudo isso é
leveza.
Mas, acredito também que a leveza não é apenas um estado de
espírito que acontece num instante de distração, mas pode ocorrer até mesmo quando
se está extremamente atento: a ansiedade dos pais ao ver os primeiros passinhos
de seus filhos, a delicadeza dos movimentos de um cirurgião que opera um
cérebro, os passos de uma bailarina, que mesmo sofrendo com o peso do próprio
corpo aguenta firme para fazer a leveza se sobressair à dor.
Isso seria uma falsa
leveza, você poderia me afirmar. E eu digo: não! Há leveza na dor. Há leveza no
inesperado. Há leveza até na perda. Depende de como você olha para o fato e a
leveza que pode haver nele.
Ninguém gosta de sofrer, mas se você amargurar o sofrimento,
em vez de aceitá-lo, talvez você fique mais leve. Do mesmo modo quando algo não
saiu como se imaginava e se vê que há outra saída, naturalmente você estará contornando
a situação com leveza.
Mas, leveza não se exige. Se permite! E é aí que eu digo que
as pessoas que aparentemente são leves em suas palavras, mas na hora de fazer
um apontamento são pesadas, não tem nada de leves. Talvez elas sejam levianas.
Leviano é o tipo de pessoa imprudente,
principalmente com as palavras, mas também com os sentimentos alheios. É leviano quem acha
que “tudo bem eu dizer isso, sou assim mesmo e não vou mudar". Por isso, dizem o que pensam sem medir as consequências. Talvez os levianos
tentam ser leves através da brincadeira ou ironia, mas têm uma leveza programada para não assumir riscos, para
viver no precipício com as responsabilidades. Então, fingem ser leves.
Mas, tirando esse pessoal aí, existe uma leveza nata. Aquela
que está dentro do seu coração. Eu defendo que as pessoas devem ser leves não
nos momentos legais e felizes. Neles já existe leveza por si só. É preciso ser
leve em qualquer situação para que as palavras não ganhem um peso errado.
Uma das expressões mais significativas da leveza que já vi em
minha vida é uma música feita por Debussy, um dos meus compositores favoritos. Prélude
à l'après-midi d'un Faune fala
de um fauno que, sozinho, em uma tarde em um bosque tenta alcançar as ninfas,
mas não consegue. Portanto, se deita e sonha com elas. A sensualidade é uma das
facetas da leveza e, não à toa, é um dos assuntos preferidos das pessoas,
porque remete a algo leve.
E então, lhe proponho: que tal
ser tão leve com as palavras como as notas compostas por Debussy?
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“As palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade”. (Victor Hugo)
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2 comentários:
O seu texto sempre muito doce, adorei! Estou na torcida: por uma vida mais leve!
Obrigada, florzinha! De coração!
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