Diz
a profecia maia que o mundo vai acabar no dia 21 de dezembro deste ano. Eu
duvido muito que isso aconteça, mas gosto do frisson que o assunto causa na humanidade. Tem gente que não se
importa de jeito nenhum com essa história. Mas, existem outros que, realmente,
estão se preparando para essa data com rituais, orações, meditações. Muita
gente diz que o sistema aéreo não deve funcionar nesse dia, assim como
computadores vão dar pane, países inteiros devem ficar no escuro, a água pode
não sair das torneiras. Enfim, as previsões são muitas, mas ninguém sabe se elas
realmente vão acontecer.
Vamos
pensar que o mundo não acabe no dia 21 de dezembro, mas que um desafio seja
imposto para nós humanos. Imagine se na manhã deste dia todos nós acordássemos
mudos, completamente, como se fosse uma mudez coletiva. Ninguém conseguiria
pronunciar uma única palavra. E mais, o desafio também se estenderia sobre a
internet e as Redes Sociais que entrariam em colapso. E para nosso espanto, os
obstáculos também recairiam sobre qualquer objeto ou coisa que nos ajudasse na
comunicação, como canetas e lápis, que deixariam de funcionar. Ou seja,
estaríamos isolados em nós mesmos, sem comunicação externa. Você já imaginou como
seria você sem a sua voz? Sem a internet e sem a comunicação escrita? Isso te
incomodaria? E como você faria para se comunicar com as pessoas?
Eu fico pensando quantas situações diárias
limites existiriam para nós que estamos acostumados a usar a linguagem, muitas
vezes, sem pensar. Imagine só o esforço que seria conversar com qualquer pessoa.
Antes de tudo, teríamos que aprender a linguagem dos sinais. Mas, acredito que
esse seria um processo demorado. Já pensou a humanidade inteira tentando aprender libras ao mesmo tempo? Pessoas dormiriam na fila das escolas para conseguir esse
benefício e, talvez, nem todo mundo tivesse essa paciência de esperar.
Na ansiedade de nos comunicarmos, penso
que muitos de nós teríamos que olhar profundamente nos olhos dos outros para
nos fazer entender e entender os outros. Será que as pessoas nos compreenderiam
dessa maneira? Será que entenderiam nossos gestos? Talvez os conhecidos,
amigos, colegas de trabalho conseguiriam fazer um contato conosco em um
primeiro momento. Mas, e depois de semanas, aguentaríamos não falar e só
gesticular e ficar olhando para as pessoas o tempo todo?
Acredito
que o caos se instale antes do que imaginemos. Mesmo porque, até agora eu disse
apenas das situações normais do cotidiano, como falar com as pessoas, ir
trabalhar, almoçar, estar com a família, amigos. Mas, pense naquelas situações
diárias que convivemos e que são (ou deveriam ser) um pouco fora do comum: por
exemplo, como você faria para xingar alguém no trânsito, já pensou? E imagine
também que no trabalho, como agiria um chefe agressivo? Já que ele não pode humilhar
os funcionários, o que faria? Iria começar a bater nas pessoas? E aquele
parente que você não curte muito? Como você o trataria se dependesse da ajuda
dele para se comunicar? Como você iria levar vantagem sobre alguém? Como iria mentir
para a sua mãe sobre a hora que você chegou em casa?
Eu
realmente fico imaginando como seria a vida sem voz. Eu acredito que o cenário poderia
ser mais ou menos como o descrito na obra “Ensaio sobre a Cegueira”, de
Saramago. O livro, que depois virou filme, fala de uma cegueira coletiva que,
aos poucos, vai contaminando as pessoas. Mas, não é uma cegueira qualquer.
Saramago traça um paralelo sobre os caprichos da humanidade que deixamos de ver
simplesmente porque não podemos mais enxergá-los, literalmente, e aí temos que
voltar ao estágio da sobrevivência. Aquilo que priorizamos é aquilo que
importa? É o que move a sociedade é o que nos faz bem? Claro que isso é uma
interpretação minha sobre a obra. Cada um pode tirar suas próprias conclusões
e, com certeza, existirão outras versões para ela. Mas, o questionamento é
válido: até quanto agimos em coletividade? Ou será que agimos em coletividade
apenas em situações limites? Ou será que nas situações limites, agiríamos em coletividade?
Agora, vamos voltar para o cenário da
humanidade muda. Eu acredito que teríamos que mudar coisas simples para passar
esse período com menos transtornos. Afinal, não teríamos nem a oportunidade de
ouvir as pessoas conversando nas ruas, nos cafés, nos ônibus, supermercados. O
silêncio predominaria e cada um teria a si só para conversar. É como se ouvir o
tempo todo. E aí, vem uma outra pergunta: você conseguiria conviver com os seus
pensamentos?
Faço esse questionamento porque escuto,
diariamente, discursos circulando no ar meio que sem donos e que, em geral, as
pessoas atribuem aos outros, sem a consciência do que é dito. E se formos
colocados em contenção, obrigatoriamente, isso não seria possível. Teríamos que
assumir a responsabilidade sobre aquilo que falamos porque falaríamos só para
nós mesmos. E esse eco é bom para você?
Portanto, acredito que deixar de falar
nos colocaria em xeque-mate conosco – cada um com si. E, a não ser que você
seja onipotente, a necessidade que temos de conviver em sociedade nos
obrigaria a repensar quem somos, como vivemos e como falamos. E nos faria
acordar para os sinais que emitimos através da linguagem.
Assim como na obra de Saramago, em que as pessoas voltam a enxergar, acredito
que um dia a humanidade possa falar novamente, como um alívio inesperado. Pensando
nisso, pretendo utilizar bem a minha linguagem enquanto eu puder falar, não apenas por benevolência, mas porque acredito que essa seja a condição única para o convívio em sociedade. Portanto, quero utilizar minhas falas para criar e não fazer
malcriações, para compartilhar conhecimento, alegrias e benefícios. E você?
Se você não assistiu, assista. Vale a pena!
p.s: tenho um profundo respeito aos mudos e surdos que mostram
para nós que se comunicar é uma questão de vontade, de intenção. Eles se
comunicam melhor do que ninguém.
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